A história de Elias – Do menino sonhador ao homem sem rumo

Elias nasceu em uma rua de terra batida, num bairro onde as crianças corriam descalças e as mães gritavam da janela na hora do almoço. Era um menino de olhos brilhantes e sorriso fácil, daqueles que parecia enxergar poesia nas coisas mais simples. Um avião passando no céu era sinal de esperança. Uma bola feita com meia velha era o suficiente para horas de alegria. Ele não precisava de muito para ser feliz — bastava o sol, os amigos e a liberdade de imaginar.
Desde cedo, Elias mostrava que era diferente. Criava histórias, inventava jogos, sonhava alto. Dizia que um dia ia construir uma nave e visitar outros planetas. Queria ser astronauta, jogador da seleção, cientista e cantor, tudo ao mesmo tempo. A mãe ria, o pai sorria em silêncio. Era um menino sonhador, desses que o mundo devia proteger. Mas o mundo raramente protege quem sonha.
Na escola, Elias ia bem. Tinha facilidade para aprender, mas o que mais chamava atenção era sua vontade de viver. Era alegre, curioso, fazia amigos com facilidade. Mesmo com poucas condições, sua infância foi rica em amor, em liberdade, em imaginação. Mas o tempo, implacável como sempre, não parou. E com ele, vieram os anos da adolescência.

Aos 13, 14 anos, Elias ainda carregava no peito aquele brilho de criança, mas agora com planos mais concretos. Dizia que queria ser engenheiro civil, construir casas bonitas para quem não tinha. “Vou dar uma casa nova pra minha mãe”, dizia, com convicção no olhar. Também escrevia letras de música num caderno velho — rimas sobre a vida no bairro, sobre sonhos e injustiças. Tinha talento. Tinha visão. Tinha fome de futuro.
Durante um tempo, parecia que tudo daria certo. Começou um curso técnico, trabalhou como ajudante de pedreiro, juntava dinheiro para comprar um celular melhor e seguir com os estudos. Falava menos, pensava mais. Era um jovem determinado, mesmo com todas as dificuldades ao redor. Mas o destino, como costuma fazer com os que sonham alto, jogou pesado.
O pai, seu grande exemplo de força, ficou doente. A doença veio rápida, silenciosa, e levou ele embora em poucos meses. Elias sentiu o chão sumir. A ausência do pai virou um buraco dentro dele. A mãe, enfraquecida pela dor, já não era mais a mesma. E ele, que sempre foi esperança para os outros, começou a não saber o que fazer com a própria tristeza.
Tentou seguir em frente. Trabalhou aqui e ali, fez bicos, tentou voltar a estudar. Mas o luto virou cansaço, e o cansaço virou desânimo. Foi nesse tempo que conheceu o álcool — primeiro como alívio, depois como rotina. Uma cerveja no fim do dia, duas, três. Em pouco tempo, os dias passaram a girar em torno disso. O bar da esquina virou refúgio, o copo virou consolo, e os sonhos viraram passado.

Elias entrou na fase adulta sem perceber. Um dia acordou e já não era mais aquele jovem com futuro promissor. Era apenas mais um rosto marcado pelo tempo, sentado na calçada com uma garrafa na mão. O caderno com letras de rap se perdeu em alguma mudança, os amigos sumiram, os planos também. Agora, ele vive de memórias — lembranças de quando corria na rua, de quando o pai sorria, de quando acreditava que podia mudar o mundo.
Hoje, Elias sobrevive. Acorda tarde, toma café amargo, vai ao bar. Conversa com poucos, observa muito. Vê o tempo passar pela janela embaçada do bar. Já não fala de sonhos. Já não fala de nada. Quando muito, solta um comentário sobre o passado: “Lembra daquela vez que jogamos bola até anoitecer?” ou “Minha mãe fazia um bolo que ninguém mais faz…”.
As pessoas passam por ele como se fosse invisível. Algumas julgam, outras ignoram. Poucas percebem que ali está alguém que já foi luz, já foi promessa, já foi vida. Alguém que, por dentro, ainda guarda um pedaço do menino que olhava pro céu e acreditava em milagres.

Elias não é mau. Nunca foi. Só cansou. Cansou de tentar e cair, de sonhar e não ter, de lutar e perder. Hoje, ele só espera. Espera o tempo, o destino, o fim. Espera como quem já não espera mais nada.
Mas talvez — só talvez — ainda exista uma faísca. Talvez, se alguém parar para ouvir sua história. Se alguém lembrar que por trás daquele olhar perdido ainda existe um coração, talvez algo reacenda. Porque até a alma mais apagada pode se acender de novo. Às vezes, tudo o que ela precisa é de um pouco de abrigo… e de alguém que acredite.