Entretenimento

Caguei, e daí?

Caguei, e daí? 1
    Na porta da rua uma muleta grande, em baixo escrito Dr. Medeiros, ortopedista. Entrei na sala de espera socada de gente. Não vi a secretária dele na mesinha ao lado da porta onde ele atende. Concluí que estava atendendo alguém. Olhei o relógio simplório em cima da parede onde fica a porta: eram 2 h. Enfadado de ter que esperar até as duas e meia, horário de minha consulta, quis ler alguma coisa, mas só tinha revista para mulheres que gostam de ver a vida estúpida das pessoas famosas em revistas voltadas a esse típico de boa cultura para nossa sociedade. Típico de mulher: gostam de sonhar a vida que elas não podem ter. Meu joelho doía muito.

    Esperei quarenta minutos… Quarenta minutos!

     – Tomá no cú véi! – pensava comigo.

    E meu joelho doendo que eu não me agüentava mais. Fora o calor infernal que estava na sala de espera. O pobre ventilador não conseguia fazer esse ar carregado de bafo podre circular um pouco. Isso por que tinha um velho ao meu lado que pegou no sono, e a baba que caía da sua boca, parecia uma cachoeira. Uma possa de baba ao meu lado.

    – Senhor José da Silva Gomes? – chamou a secretária gostosa do médico, abrindo a porta.

    Essa sim era uma mulher bonita, peitos grandes e coxas lindas. Usava uma saia branca; a calcinha branca também marcando, mas não faz meu tipo, por que toda mulher bonita é burra, e sendo burra, não precisa estudar pra ter dinheiro: pega qualquer macho por aí e surrupia todo o dinheiro dele. Vide a mulher que me chamou: secretária de médico. Mas se aparecesse na minha frente eu marcava gol. É escusado dizer aqui que ela tentou seduzir o cara lá dentro, se é que não seduziu. Eu não sei, mas se eu souber de algo, eu logo vou descobrir.

    – Sou eu – disse levantando com dificuldade.

    – Queira entrar, por favor – tornou ela com amabilidade.

    Só rindo. É engraçado como essa gente fingi respeito por nós. Qualquer dia eu vou mostrar o meu respeito por esse bando de urubus falsos; súcia de calhordas!

    Entrei na sala do doutor. Um homem de jaleco branco, físico gordo de tanto bater punheta assistindo filme pornô e comer carne de primeira cheia de manteiga.

    – Como vai seu José… Vejo que o senhor melhorou muito o jeito de andar! – falou o médico com um sorriso de orelha a orelha e também com falsidade.

    – Melhorei? – pensei comigo mesmo –, melhorei o caramba! Pouco importa pra você se eu melhorei! O que interessa pra você é se eu vou pagar a consulta. Filho-da-puta… Me aguarde se hoje eu não sair daqui com meus joelho destravado!…

    Travei meu joelho esquerdo jogando futebol numa chácara na saída da cidade, com meus amigos. Confesso que só não chorei de dor por que aqueles filhos da puta iriam me zoar.

    – Oh sim, está bem melhor – disse com falsidade idem.

    Ele sorriu mais. Anotou algumas coisas numa caderneta e disse:

    – Queira sentar-se na maca, por favor.

    Sentei-me.

    O doutor começou a fingir que concertava meu joelho. A cada apertão que ele dava, um estralo fendia o ar. Demorou vinte minutos para que ele terminasse. Quero só ver se ele não endireitou o meu joelho.

    Terminou.

    Ele suava devido ao esforço que ele fez. Parecia um leitão suado. Levantei-me e vi que meu joelho melhorou.

    – Menos mal! – pensei comigo.

    – Pode sair. Acerte com a Amanda lá fora e tenha um bom dia.

    Saí da sala como se eu fosse enxotado para fora de casa. Senti raiva. Chegando à mesa da secretária, ela olhou pra mim e sorriu.

    – São cento e cinqüenta reais.

    Ela somente tinha sorrido por que ela ia sentir a textura do dinheiro em sua mão, mesmo que não fosse dela. Aposto que antes de dar pro médico o dinheiro que entrou no dia, ela abre a gaveta e cheira todo aquele porre de dinheiro. Ao todo o filho da mãe já me arrancou quatrocentos e cinqüenta reais. Só rindo. Ela deve gozar sentindo a textura do dinheiro.

    Dei-lhe o dinheiro. Lá se foi quase metade de meu salário.

    Vou caminhando com a rua cheia de gente; indo da direita para esquerda, esquerda para direita, por entre essa centopéia de gente. Penso comigo mesmo que, o ser humano, é pior bicho que possa existir. É mais sanguessuga que carrapato, mais violento que os ursos, e ainda por cima, falso, mentiroso e interesseiro. Não suporto isso, qualquer dia eu vou falar umas boas para esse tipo de gente. Farmácia; relojoaria; venda; restaurante; papelaria; gente e mais gente; carrinho de cachorro-quente. Paro e compro um cachorro-quente e vou comendo até em casa para assistir jogo.

    Em casa a coisa era simples. Morava eu e mais um amigo, mas ele foi preso por porte ilegal de arma: um 38 de cano curto. Não sei por que ele tinha que ter essa arma, mas enfim, foi preso e vou visitá-lo de vez em quando na delegacia. A investigação diz que ele tinha contato com um tal de “Boi-Zebu”. Não sei de nada disso, mas se tinha: fazer o que?  Sento e ligo a TV.

    Eu como morava com ele, meu nome está no processo, mas todo mês tenho de assinar um troço para eu poder ficar livre de qualquer acusação. Afinal, a arma nem era minha.

    O telefone ao meu lado toca.

    – Alô?

    – Senhor José?

    – Sim?

    – O senhor tem que vir ainda hoje assinar o processo.

    – É mesmo, estou indo pr’aí.

    – Obrigado.

    Que droga! Esqueci disso. Toca eu sair de casa e ainda por cima perder o jogo.

    Não agüento mais ter de ir o todo mês lá na primeira vara criminal pagar por uma coisa que nem tinha nada a ver comigo. Ter de ficar perto de bandidos de verdade, de policiais com metralhadora na sua cara e ainda me tratarem como se eu fosse um infrator da lei! Valha-me o demo! Eu infrator? Aposto que os traficantes de entorpecentes eles não fazem isso, ou muito menos com políticos que enchem a cueca com dólar. Sempre foi assim aqui nesse Brasil e sempre será.

    Chegando ao fórum, entrei e logo um guarda público me barrou na entrada.

    – O que quer aqui?

    – Tenho de assina um papel com o juiz.

    Ele olhou-me querendo descobrir o que eu queria realmente.

    – É mesmo… Pode subir até lá em cima com o oficial.

     Ele olhou uma ficha e viu que era isso mesmo que tinha que fazer. O sangue fervia dentro de mim.

    Mais adentro um porre de meirinhos andando de lá para cá com papeis não mão; processos; um gritando para o outro, discutindo. Até parecia um formigueiro isso. Era um formigueiro essa merda.

    Quando eu comecei a subir a escada, uma mulher trintona deixou cair um processo no chão. Ora, se não fosse pelo fato de eles me obrigarem a vir aqui, eu a ajudaria e até carregaria aquela mina de ácaro que só de respirar você fica asmático. Preferi ficar quieto por que ainda tinha de assinar o maldito papel. Hoje, porém, era o último dia. A mulher não era lá de se jogar fora, mas parecia frustrada sexualmente. Na verdade quase todas são assim.

    Meu joelho doía. Aquele médico me paga!

    Cheguei ao andar de cima e sentei-me no banco. Sempre a mesma coisa: uma demora infernal só para tomar seu tempo. Ora, se eles têm tempo, eu não tenho, pois preciso ver o maldito jogo e depois trabalhar – sou guarda noturno –, pra ganhar uma merreca de salário enquanto eles limpam a bunda com notas de garoupa e onça pintada.

    Depois de uma hora esperando o oficial de justiça, ele sai da sala do juiz com o papel para eu assinar.

    – José da Silva?

    – Estou aqui…

    – Seu José, assine aqui, por favor… – disse ele apontando com o indicador e fingindo respeito por mim.

    Lembrei da minha promessa de mostrar o meu nobre respeito. Acabei de bolar como mostrar o meu contentamento e respeito por essa gente. Peguei o processo joguei-o no chão. Ele me olhou pasmo. Coloquei na página que era pra assinar. Então, tirei o cinto de minhas calças e abaixei minha cueca. Ele me olhava com medo e surpresa. Agachei. Não demorou, fiz força e caguei onde era pra assinar. Uma bosta dura e pequena. Levantei com a minha bunda suja e melada dizendo:

    – Toma aí a minha assinatura! Isso foi por eu esperar a vontade de me atender aqui nessa espelunca! Sinta o cheiro do respeito que você me inspira! Um presente de amigo! Gostoso né?! Toma!…

    Chutei o processo e a minha bosta espatifou-se batendo na parede e nas calças dele. Senti-me tão bem e feliz! Um contentamento de animal satisfeito em ter soltado toda a sua fúria contida por ser mais um fodido na vida.

    Logo depois eu estava na Qüinquagésima Delegacia da Polícia Militar, depondo sobre o que eu fiz lá no fórum. No rádio da sala do delegado, dizia o locutor que X ganhava de Y por 1×0…

El Phodaum,

18 de novembro de 2008.

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